Morar só é descobrir que o corpo não é abrigo, é prisão. Você se senta em silêncio e sente o som do sangue dentro da cabeça, um zumbido grave, constante, que parece repetir que você continua vivo por pura inércia, e não por vontade. A geladeira respira. O relógio mastiga o tempo. E o apartamento inteiro parece um pulmão que te engole e te cospe de volta, num ciclo que já não faz sentido algum.
Não há ninguém pra olhar pra você e confirmar que você existe. Então você começa a se olhar demais no espelho, no reflexo da janela, na tela do celular apagada, até que o rosto se dissolve em algo estranho, anônimo, quase ofensivo. É como observar um desconhecido ocupando o teu corpo e fingindo ter uma vida. Com o tempo, a solidão deixa de ser uma condição e vira uma substância, uma gosma invisível que cobre tudo: as paredes, os talheres, a cama, os sonhos. Ela gruda em você, e você começa a gostar um pouco dela, o que é o sinal mais claro de que algo dentro já quebrou. O pior não é o silêncio. O pior é perceber que ele sempre esteve lá, desde antes de você nascer, esperando pacientemente que o mundo à sua volta se calasse pra poder falar.