Vocês ficam remoendo o passado, às vezes?

Fico revirando o passado com essa insistência quase patológica, como quem raspa uma ferida já cicatrizada só para sentir, de novo, aquela dorzinha familiar que dói mas identifica. Porque, para mim, até os piores momentos (e foram muitos, uma sequência de frustrações e erros) se tornaram lembranças luminosas, como se a desgraça tivesse hoje algum tipo de textura reconfortante, mais real do que qualquer vitória ou estabilidade recente que, veja bem, eu deveria celebrar, mas que só consigo experimentar como uma espécie de anestesia.

E é aí que começa o desespero crônico, esse pânico abafado que não explode nunca, apenas vibra, como se eu estivesse dentro de uma jaula de aço fosco, encaixada no meio de duas montanhas absurdamente altas, e cada grito meu. e eu grito, mesmo sabendo que ninguém vai ouvir. ricocheteasse numa eternidade acústica tão perfeita que o eco parece zombar de mim. E o pior: são as memórias que torturam, como um filme caseiro que, justamente por ser banal, se transforma num objeto de veneração. Um filme que eu sei, com certeza ontológica, que nunca mais poderei rever com o mesmo corpo, o mesmo cérebro, a mesma química interna. E isso me rasga de um jeito tão específico que chega a ser ridículo: eu sinto saudade até da parte da minha vida que eu jurava odiar.

Porque a verdade ultrajante, quase ofensiva, é que minha vida durante muitos anos foi uma porcaria monumental. Nada funcionava. Tudo emperrava. Eu tentava avançar e batia, ritualmente, naquela parede de tijolos. E, mesmo assim, especialmente nos anos de 2016 e 2017, há algo neles que continua me chamando como um cântico. Algo que me convence a revisitar aquelas músicas, aqueles filmes, aquelas estéticas, como se eu pudesse, num ato de pura teimosia emocional, destilar um décimo mínimo, microscópico, do que eu sentia quando tudo era uma merda gigantesca, mas era, pelo menos, uma merda viva, pulsante, absolutamente minha.
28/11/2025 12h55

Todos os dias, é um passado sombrio que ainda me deixam sequelas, e não sei

se serão cicatrizadas algum dia.